A mania de deixar tudo para depois vai muito além da preguiça e pode esconder o medo do fracasso.
A procrastinação assume perfis diversos. O procrastinador por criação
de problema adia as tarefas para mais tarde porque acha que terá mais
tempo. O procrastinador comportamental até faz listas e planos, mas não
segue nada do que foi planejado. E o procrastinador retardatário faz
várias coisas antes de cumprir uma tarefa determinada anteriormente.
Segundo o psiquiatra norte-americano Bill Knaus em artigo
publicado no “Psychology Today”, estes são os três perfis de quem tem
mania de deixar tudo para depois. Mas, para a professora-titular da USP e
terapeuta analítica comportamental Rachel Kerbay, a definição vai além.
Rachel trabalha há mais de 15 anos com o assunto e define o
“autocontrole” – ou melhor, a falta dele – como a palavra-chave para
entender este distúrbio. “O procrastinador quer sempre usufruir do
resultado imediato. Não sabe planejar e criar condições para que as
coisas aconteçam. Como ele segue só aquilo que é de seu interesse, perde
o que poderia ganhar a longo prazo”, explica a professora.
Cada um com os seus motivos
É exatamente o que Carina Martins faz repetidas vezes.
Redatora publicitária, ela precisa trabalhar em dupla com o responsável
pela arte. Mas a fama de “deixar tudo para a última hora” já é bem
conhecida entre os colegas e, no último emprego, chegou aos ouvidos do
chefe. “Como eu também sou DJ, é muito fácil começar o dia procurando
música e, quando me dou conta, passei o expediente inteiro fazendo outra
coisa que não era o trabalho”, diz.
Carina também é do tipo que demora muitos dias para
cumprir uma tarefa muito fácil, exatamente pelo grau de exigência ser
menor. Só que quando o assunto é difícil, ela também trava. Daí o motivo
é ter medo de encarar um desafio.
“Geralmente, o procrastinador tem medo do resultado e de
uma avaliação pública. Daí o bloqueio e a decisão de não fazer nada.
Para isso, ele encontra várias desculpas –muitas vezes externas, como
tempo ruim, pouco dinheiro, falta de sorte – ou apela para a emoção para
adiar os compromissos”, analisa Rachel.
O problema é que, na maioria dos casos, ele joga o
trabalho para frente com a desculpa de que precisa de mais tempo para
fazer determinado projeto, e nem por isso faz melhor. “Eu sempre falo,
‘semana que vem eu faço com mais calma’. Apesar da sensação ruim de
angústia, acabo me enrolando de novo e dedico menos tempo do que o
trabalho de verdade precisa. A saída, então, é o improviso”, confessa
Carina.
Missão dada não é missão cumprida
Nesse nó de desculpas e enrolação, a preguiça – ao
contrário do que muita gente acredita – não é a resposta do problema. É
só ver a disposição da Carina para pesquisar música e fazer outras
atividades que lhe dão prazer. Foi também o que concluiu Christian
Barbosa, especialista em produtividade e autor do livro “Equilíbrio e
Resultado – Por que as pessoas não fazem o que deveriam fazer”.
Christian elaborou uma pesquisa e perguntou a mais de 4 mil pessoas a
seguinte questão: “você procrastina atividades ao longo da sua rotina?”.
97,4% dos entrevistados responderam “sim”.
De acordo com o levantamento, exercício físico, leitura,
saúde e planejamento financeiro são as quatro coisas mais adiadas. Por
outro lado, casamento, comprar apartamento, mudar de emprego e férias
são aquelas que as pessoas realizam com mais facilidade. “Não há nada de
errado em procrastinar de vez em quando, o problema é quando isso
começa a ficar crônico e passamos a adiar frequentemente coisas que não
poderiam ser adiadas”, define.
“De maneira geral, as coisas pessoais acabam sendo as que
mais adiamos. Talvez porque na vida pessoal ninguém fique cobrando que
você leia determinado livro ou organize seu armário. Mas, no trabalho,
você tem chefe e clientes que esperam o resultado de sua produção”,
ressalta Christian.
A falta dessa figura pode ser uma das razões que faz o
estudante Marcio Vincler viver sempre no atraso. Há alguns anos, ele
passou a trabalhar com a mãe. Como precisa de dedicação semi-integral na
faculdade de veterinária, e ainda dá expediente em uma clínica, o tempo
disponível para escritório é bem reduzido e as regalias são muitas.
Apesar de admitir que não se incomoda com as brincadeiras
dos colegas, ele sabe o quanto esse comportamento cria rótulos. “Eu não
consigo chegar no horário em nenhum lugar e as pessoas já contam com a
minha demora”, diz.
Rir de si mesmo nem sempre é a melhor saída
Aí, a
desculpa da imagem a zelar fala mais alto. Situação parecida viveu
Christian Barbosa: se na primeira fase de sua pesquisa, que era anônima,
não teve dificuldades, tudo mudou quando ele deu início à segunda
etapa, que era procurar personagens e entender o dia-a-dia desse grupo.
“Eles simplesmente sumiram. Ou pediam para trocar os nomes, a idade, a
profissão. A principal preocupação era não ser mal visto pelos colegas
de trabalho”, explica.
Mesmo assim, o procrastinador é mais tolerado no Brasil
do que em outros lugares. “O que dita a cultura são os costumes, os
valores de um grupo. E a nossa não é a do fazer, mas o de empurrar.
Temos um histórico de relações cordiais, em que os problemas se resolvem
na base da amizade”, pontua Rachel Kerbauy.
Veja as orientações elaboradas por Christian
Barbosa no livro “Equilíbrio e Resultado – Por que as pessoas não fazem o
que deveriam fazer?” e fuja da enrolação.
- Pense em algo que o coloque em estado de criatividade e foco para concluir rapidamente o que precisa ser feito.
- Experimente começar fazendo coisas menores, de rápida conclusão, como arrumar uma gaveta em vez do armário inteiro.
- Estabeleça rituais de recuperação de energia, algo que ajude a dar um gás quando sentir cansaço
- Liste os fatores positivos e negativos de cada atividade a ser executada. Este exercício trabalha os dois lados do cérebro e ajuda a encontrar motivação
- O apoio de alguém de fora, como chefe ou um coach, é de grande ajuda para vencer a barreira da procrastinação.
- Se a tarefa não é urgente, selecione um dia na sua agenda e reserve como se fosse uma reunião, com hora marcada para começar e terminar.
O presente é o momento ideal
A pergunta diante deste jogo de empurra-empurra é: há uma
luz no fim do túnel? Sim. “É preciso mudar as ações, as habilidades e a
fala. Ou seja, o jeito de fazer das coisas”, afirma Rachel. É o que
também acredita Christian Barbosa. “Infelizmente, na vida nem sempre
teremos apenas coisas interessantes para fazer. É preciso aceitar isso”,
diz.
Segundo ele, em muitos casos, adotar uma estratégia de
produtividade dá bons resultados. Outra dica valiosa é defendida por
Rachel. “Planeje os compromissos, crie alternativas factíveis e avance
aos poucos. A recompensa neste caso não é material. É o sentimento de
dever concluído que dá impulso à mudança e se torna mais satisfatório do
que o mal-estar de um comportamento procrastinador”.
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