Por que as pessoas levam tanto tempo para sair de uma relação tirânica?
Durante uma entrevista na TV sobre o livro Dormindo com o Inimigo,
a jornalista perguntou à autora por que as pessoas mesmo sabendo que
dormem com o inimigo levam, às vezes, décadas para dar um basta na
situação.
Obviamente essa não é uma resposta simples,
mas se pudéssemos resumir, diriamos: porque é muito duro, difícil e
doloroso aceitar o fato de que sua vida esteve errada por tanto
tempo. É mais ou menos como o jogador na roleta: quando está
perdendo acha sempre que a sorte pode virar, mas isso é uma
racionalização. Na verdade o jogador (quem dorme com o inimigo)
reluta em sair de lá assumindo o prejuízo, assumindo a burrice de
perder dinheiro no jogo.
Você pode dizer que há um forte componente
masoquista nesse comportamento, que há um fator cultural coercitivo,
tudo bem, pode ser, mas assumir que jogou fora tanto tempo, tanta
energia, tanto investimento emocional, é a razão mais poderosa.
Vamos ver uma frase do sociólogo e psicanalista
Erich Fromm, por quem nutrimos grande admiração. Ele fala sobre
racionalizações, ou seja, pseudopensamento, tentativas toscas (para
quem está atento) de mascarar a realidade com artifícios
argumentativos: “As racionalizações carecem justamente dessa
qualidade de descobrimento e desmascaramento; elas só confirmam o
preconceito emocional existente na pessoa. A racionalização não é
um instrumento de penetração na realidade, mas uma tentativa a posteriori de harmonizar os desejos da própria pessoa com a realidade existente.” (O Medo à Liberdade, Zahar Editores, 11º edição, pp.157).
Há sempre o que defender, principalmente para
os apaixonados, para aqueles que derramaram seu sangue, suor e lágrimas
em defesa desse amor ou dessa causa, quando as máscaras caem e o
príncipe vira sapo (na verdade não vira, apenas desvira). Por isso
essa luta encarniçada para defender o indefensável. Nessa luta, como
não há possibilidade de um pensamento autêntico, autoproduzido
(pois esses fatalmente conduziriam à constatação de que NA
REALIDADE, o rei está nu), recorre-se à falácia da racionalização.
Quando a mulher que apanha na cara argumenta em
favor do seu agressor, que ele foi maltratado pela mãe, e está
corrompido pelo álcool, ela não está mentindo, está apenas
racionalizando, usando um clichê cultural, para justificar não o seu
agressor íntimo, mas a sua vida investida naquela barca furada.
Admitir que votou mal, que casou mal, que defendeu o bandido confiando
que era o mocinho (como eu fiz durante anos com os E.U.A), e admitir
um tempo perdido, o que para muitos é insuportável, é a constatação
da própria incompetência, do fracasso.
Essa situação se agrava quando o investimento
foi apaixonado, ou seja unívoco. Como se diz popularmente, “aquele
cujo único instrumento é o martelo, vê o mundo em forma de pregos!” A
paixão é assim, exclusivista, monolítica, não admite diversidade,
nem o contraditório.
Por mais duro que seja, por mais mortal que
pareça ser a perda da ilusão, do sonho, da esperança, se for
encarada com coragem, e verdade, vai levar a um renascimento. Ao morrer
para o falso, vamos sempre poder renascer para o verdadeiro (ou
não), e assim contribuímos para sanear o mundo, e saneado ele se
torna melhor, mais real, mais habitável.
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