Nos filmes pornográficos, o casal está sempre pronto para o sexo e não é
preciso sequer passar pelas preliminares para que ambos cheguem ao
orgasmo –simultaneamente, claro. Não há dificuldade para fazer as mais
difíceis posições do Kama Sutra, qualquer lugar é adequado para transar e o sexo sempre é perfeito, prazeroso –e escandaloso.
Assistir a um filme erótico como forma de aumentar o clima entre o
casal pode ser interessante, desde que não se torne algo muito
frequente. "Se o casal sempre precisa dos filmes para se excitar, isso
denota uma dificuldade na relação. Não se deve se criar uma dependência.
E é preciso que o homem tenha a noção de que nem toda mulher vê o filme
de forma positiva", afirma a psicóloga e terapeuta sexual Carla
Cecarello, presidente da ABS (Associação Brasileira de Sexualidade).
O problema é que os filmes podem criar uma imagem errada de como uma
relação sexual deve acontecer, principalmente para quem ainda não tem
experiência sexual. Segundo pesquisa realizada
com pessoas de entre 16 e 24 anos pela Universidade de Plymouth, no
Reino Unido, e pela UK Safer Internet Centre, um em cada três jovens
admitiu que a pornografia afetou seus relacionamentos. "Mostrar filmes
ou revistas pornográficas para adolescentes é muito ruim, porque eles
podem pensar que devem fazer igual aquilo que veem", afirma Carla.
Para o psicoterapeuta Oswaldo Martins Rodrigues Jr., diretor do Inpasex
(Instituto Paulista de Sexualidade) e autor de "Objetos do Desejo"
(Editora Iglu), os vídeos eróticos somente são comprados porque mostram
que as fantasias masculinas podem acontecer –por isso a maioria passa
uma visão machista do sexo. “Na falta de educação sexual formal, os
vídeos eróticos têm servido de modelo sexual para todos adolescentes que
os acessam, que não são poucos. O que é assistido pode se tornar um
padrão para eles", afirma.
Sempre pronto
Nos filmes, qualquer hora é hora para fazer sexo. "É mais comum que os
homens consigam estar prontos mais rapidamente do que as mulheres,
embora eles também possam ter ansiedade e, em algumas situações,
precisem de um tempo maior para a ereção. Mas elas sempre precisam ter
um estímulo antes, por isso as preliminares são fundamentais", afirma
Carla Cecarello. Para Rodrigues Jr., diretor do Inpasex, dificuldades
sexuais também existem para os protagonistas dos filmes. "No início da
década de 1990, havia um filme nas locadoras que mostrava as cenas de
bastidores das filmagens, incluindo uma cena de perda de ereção de um
ator consagrado na época", afirma ele. Segundo ele, o uso de substâncias
facilitadoras de ereção, sejam orais ou injetáveis, passaram a ser
comuns para os homens a partir do início da década de 1990. No caso das
mulheres, é frequente o uso de lubrificantes ou vibradores para dilatar
as aberturas vaginais ou anais.
Falta de preliminares
Como praticamente todos os filmes disponíveis costumam ser destinados a
homens, iniciar do modo mais direto possível parece fazer sentido. O
problema é que, na vida real, é praticamente impossível que a mulher
tenha sexo satisfatório se não houver preliminares. “Ela precisa da
parte sensorial bem desenvolvida para que haja a lubrificação, que é o
equivalente à ereção masculina. Até o homem necessita de uma estimulação
prévia, por menor que seja”, afirma Carla.
Clímax cantado
Embora não haja um único filme erótico em que as atrizes não gritem
escandalosamente quando chegam ao orgasmo, na vida real, uma mulher
raramente fará o mesmo. E, se o fizer, ainda pode amedrontar o parceiro,
pois essa é considerada uma das atitudes mais brochantes na hora do sexo.
"Se fugir do contexto de uma brincadeira do casal, gritar pode
assustar. Situações diferentes de vez em quando valem a pena, mas é
difícil chegar no nível dos filmes. Pode ficar muito falso e o outro
pode achar que você está fingindo", afirma.
Orgasmo simultâneo
No mundo ideal –e nos filmes pornôs–, homem e mulher chegam ao clímax
no mesmo momento. Em alguns casos, a mulher ainda chega antes e consegue
ter vários orgasmos antes que o homem tenha o seu. Infelizmente, é
comum que as mulheres demorem mais para alcançar o orgasmo e que até finjam que o alcançaram –um problema que também acontece com alguns homens.
“Os caras sempre chegam ao orgasmo no final de toda a cena, depois da
mulher ou junto com ela. Na vida real, acontece de o homem ter
ejaculação mais rápida. O controle ejaculatório do ator é maior porque
ele só faz isso”, afirma a psicóloga, terapeuta e educadora sexual Ana
Canosa, autora de "Crescendo na Sexualidade". Para Rodrigues Jr., os
filmes primam pelo desempenho sexual e, como o orgasmo é o objetivo
final, ambos precisam alcançá-lo. “Ainda mantendo a falácia do orgasmo
simultâneo, pela crença de que assim é melhor”.
Sem parar
Nos filmes não há pausa, ninguém cansa ou precisa de uns minutinhos
para se recompor. Brochar, nem pensar. “Enquanto na vida real, em uma
virada de posição a ereção pode diminuir um pouco, nos filmes, tudo é
perfeito”, afirma Carla Cecarello. Para Rodrigues Jr, tudo isso não
passa de uma ilusão. “Os atores só parecem ficar horas transando. A
edição é feita de tal forma que conduz quem assiste as cenas a perceber
uma passagem de tempo que parece ser de horas. Mas a gravação permite
intervalos para descanso entre as cenas de sexo, inclusive de um dia
para outro”, diz ele.
Posições absurdas
“Os filmes mostram posições que não levam em conta que a postura pode
ser muito difícil para a coluna, o desconforto que muitas mulheres têm
na hora da penetração ou a dificuldade que homens podem ter por conta do
tamanho do pênis”, diz Carla. Segundo Rodrigues Jr, como um filme pode
ser produzido em vários dias, as posições podem ser tentadas à exaustão,
mas, obviamente, o cansaço jamais será exposto.
Locais impossíveis
Escritório, elevador, escadas... Qualquer lugar é válido para fazer
sexo nos filmes do gênero. Ninguém se incomoda com um degrau, com o chão
duro ou com a possibilidade de aparecer o chefe a qualquer momento.
“Pode acontecer de pintar o clima num lugar estranho de vez em quando,
mas a realidade não é tão extrema. Muitos casais se incomodam com
lugares muito exóticos, principalmente a mulher”, diz Carla Cecarello.
Para Rodrigues Jr., a história sempre precisa ser diferente para
disparar o desejo sexual. "Isso pode ser verdadeiro para algumas pessoas
ou casais, mas não para a maioria”, afirma ele.
Sexo anal fácil
Nos filmes pornôs, o sexo anal é a coisa mais fácil e rápida de se
fazer do mundo. Para Ana Canosa, esse é o grande engodo dos filmes. “As
mulheres usam um plug anal antes da filmagem, mas tudo é passado como se
não houvesse preparação, como se ela ficasse imediatamente preparada e
com o ânus dilatado”, afirma ela. Segundo Rodrigues Jr., as mulheres
também se preparam com vibradores por um bom tempo antes das cenas serem
gravadas. “A fantasia masculina dirige essas cenas nos vídeos,
incluindo a percepção de que sempre será fácil”, afirma ele.
Falta de delicadeza na masturbação
Nos filmes eróticos há sempre uma agressividade excessiva durante a masturbação alheia.
Para Ana Canosa, o problema é que não é mostrada a diferença de
intensidade para cada pessoa. “Cada um tem um ritmo. Os filmes são muito
repetitivos, tudo muito intenso. Os homens põem muita força no clitóris
da mulher”, afirma ela. A força excessiva não é apenas um problema dos
atores dos filmes: as atrizes também exageram na intensidade da
manipulação nos homens.
Mulheres sempre acariciam os seios
Seja durante a relação sexual, na masturbação ou no banho, as atrizes
de filmes pornôs costumam acariciar os próprios seios -e parecem sentir
muito prazer com isso. “Elas fazem isso como se fosse super excitante e
todas tivessem essa facilidade de se tocar”, diz Ana Canosa. Lamentamos
informar, mas isso não acontece na vida real. “As mulheres dificilmente
fazem isso. Aliás, são raras as que conseguem pedir para que haja o
toque na região”, afirma Carla Cecarello. Para Rodrigues Jr., há uma
repetição no padrão estético dos filmes eróticos: no caso das
mulheres, os toques nas mamas, nádegas e baixo ventre, e, no caso dos
homens, no pênis. “Parece que a ideia é de sensualizar sempre, com
posições e atos que se supõem eróticos do ponto de vista masculino”,
afirma ele.
Sem nojo
Nos filmes, a mulher não só não se incomoda, como adora engolir e ter
jatos de esperma no rosto. “A realidade é bem diferente. Muita mulher
acha nojento. Aquilo tudo foi feito para ser um estímulo a mais, mas não
se copiar”, diz Carla. Para Ana Canosa, a visualização da ejaculação é
interessante para os homens, por isso, nos filmes, os homens sempre
lançam o esperma para fora. “É um mito que foi criado para mostrar a
ejaculação. Tem mulher que gosta, tem mulher que não gosta. E é preciso
tomar cuidado com doenças sexualmente transmissível nesse caso”, afirma.
Garganta profunda
Protagonista de filme pornô que se preze é capaz de fazer o melhor sexo
oral do mundo e sem enjoar. “Não são todas as mulheres que conseguem
fazer isso. As dos filmes têm técnica para colocar o pênis na boca de
uma forma que não provoca ânsia, mas, na vida real, isso é difícil”,
afirma Ana. E elas parecem gostar quando o parceiro é agressivo e puxa
seus cabelos para incentivá-la a continuar. Rodrigues Jr. acredita que
essa fantasia é disseminada nos filmes porque, como quem os consome são
os homens, são eles que dirigem as ações sexuais.
Nenhum comentário:
Postar um comentário